É bem frequente me perguntarem – sejam leitores, amigos ou familiares – sobre a minha experiência de morar fora do Brasil, entao resolvi usar a PF Palette de hoje para falar disso.
Pra quem não sabe, eu sou brasileira, de Sao Paulo e moro há 3 anos em Santiago no Chile. E esses 3 anos me ensinaram muitas coisas, que eu quero dividir com vocês, servindo não apenas como uma conversa entre amigos mas para de certa forma ajudar quem tomou a decisão de viver a vida em outras terras e até mesmo, para saber a opinião de quem fez isso também. Tudo o que vou contar é fruto da minha experiência. Não tenho como responder (e nem quero) por cada brasileiro que decidiu morar fora do país. Tudo aqui é bem pessoal e talvez em algum ponto alguém se identifique. Esse post também nao tem a intenção de falar mal do Brasil. Estou apenas contando o que o país que moro atualmente me ensinou, me fez ver de forma diferente. E não custa reforçar: estou falando apenas de mim, única e exclusivamente da minha experiência.
Considero que até o momento, a minha lista de aprendizado é pequena e isso é ótimo porque eu quero aprender a cada dia. Vamos lá:
1. Viver sem medo é sinônimo de qualidade de vida
Já perdi as contas de quantas vezes me perguntaram o que eu tanto vi no Chile. A pergunta não me causa espanto já que até pouco tempo, o brasileiro que queria uma viagem internacional rápida e barata, ía para a Argentina. Mas tirando o fato do país ser lindo e de todas as bençãos que ele me proporcionou, o que mais me mantém em Santiago é a segurança. Em 3 anos que moro aqui, só vi um assalto perto de mim e foi de um adolescente que furtou a mochila de um ciclista. Já soube de um assalto aqui e outro ali e já vi notícias de violência, mas eu ando em paz 24 horas por dia por saber que além de Deus me aguardar, não vou me deparar com a violência que estava acostumada. Me tranquiliza perceber que 80% do tempo do jornal nacional local não é destinado a falar de mortes, assassinatos, sequestros, arrastões e etc. 50% do meu amor pela cidade/país se deve a isso. Os outros 50% estão no seu encanto.
2. O jeitinho brasileiro só é aceito e bem visto no Brasil
Tem muitas coisas admiráveis no brasileiro e uma delas é que ele consegue transformar uma dificuldade em uma oportunidade. Consegue virar o jogo. Consegue ser criativo, flexível e inovador. E ele usa essa qualidade única de várias maneiras, seja superando um problema ou ainda, usando o tal “jeitinho brasileiro” para driblar uma situação. Todo mundo (ou a maioria) alguma vez na vida já usou uma carteira de estudante sem ser estudante. Já estacionou na vaga de idoso ou de deficiente físico para nao perder tempo no estacionamento do shopping. Já conseguiu um empregou ou uma bolsa, ou algo bem difícil por ser amigo ou conhecido de alguém influente. Todo mundo já conseguiu enganar um cliente, inventando uma desculpa para conseguir mais prazo e assim ocultar que alguém da equipe ou até mesmo você, fez algo de errado que impediu a conclusão daquele trabalho. Os exemplos são muitos. E esse jeitinho brasileiro de certa forma até nos traz felicidade ou orgulho em determinadas situações, mas a verdade, é que analisando friamente, o tal jeitinho é uma forma de corrupção. E a conclusão disso, pelo que vejo com brasileiros que chegam no Chile, é que os que tentam usar esse jeitinho, perdem a credibilidade. São banidos de um círculo social. São mal vistos no trabalho. Porque ao menos para um chileno, ser proativo e ter soluções para diferentes situações não é se aproveitar do jeitinho brasileiro. Isso é burlar a lei mesmo. E ao menos onde eu vivo, ou está na lei ou não é permitido. Como se diz aqui: “así de simple.”
3. Você se torna uma pessoa dividida entre dois mundos
Quando eu deixei o Brasil, fiz isso porque queria novas oportunidades. Queria ver o mundo com os olhos de outra cultura. Queria construir o meu mundo fora daquele que eu já conhecia bem. Não nego: não foi difícil se apaixonar pelo Chile e especialmente por Santiago. Mas com pouco tempo morando aqui, eu me vi com uma saudade imensa do Brasil e principalmente das pessoas que deixei lá. Eu percebi que poderia viajar o mundo e ter uma casa e novos amigos onde eu quisesse, mas aquele círculo social que me acompanhou toda uma vida, esse eu não poderia ter. Ao menos não com a frequência que eu queria. E percebi também que eu passei a sentir falta e a dar valor a coisas que se eu não mudasse de país, jamais me daria conta do quão gostosas eram, como comer uma coxinha, uma tapioca, tomar um açaí ou ir a aquele famoso churrasco de família aos domingos, que traz algumas briguinhas mas também rende boas risadas. E eu contei os dias para a minha primeira visita ao Brasil depois de vir morar aqui. E sabe o que percebi quando cheguei lá? Que tudo era delicioso, que tudo aquilo era importante para mim mas já não era igual. Com uma semana no Brasil, eu senti falta da minha casa no Chile. E foi bom, porque vi que realmente já considerava esse país como a minha casa. Eu abracei cada um dos meus familiares e amigos, mas já não era a mesma coisa. É claro que eu os amava da mesma forma e eles a mim, mas assim como eu, aquelas pessoas todas aprenderam a viver sem mim. Aprenderam a comemorar os seus aniversários sem contar com a minha presença. Aprenderam a casar tendo que desfazer o convite para eu ser madrinha porque o mais provável é que eu nao pudesse ir. Meus sobrinhos aprenderam a viver sem me contar as travessuras que eu escondia dos pais deles. Como diria Cazuza, o tempo nao para e nao parou nem para eles e nem para mim. Eu passei a ter dois mundos, duas saudades e duas adaptações. Para sempre.
4. Quem quer, tem que fazer
Eu nunca fui rica. A minha família até hoje é composta por pessoas que madrugam literalmente, enfrentam filas em pontos de ônibus e se aglomeram nos metrôs de Sao Paulo para conseguir o tão suado pão de cada dia. Mas eu me dei conta de que se eu me apertasse no final do mês, eu poderia pagar uma diarista para limpar a minha casa e deixá-la perfeita. E hoje vejo que não era tão difícil assim encontrar uma diarista que deixasse a casa exatamente como eu queria e completamente limpa por uns bons dias. Aqui no Chile, esse serviço custa caro e geralmente é feito por estrangeiros que vão colocar o seu preço baseado na ideia de que ele é a única opção que você possui. E nem sempre você ficará feliz com o resultado. Não porque não sejam limpos (o que não é verdade), mas porque estamos falando de pessoas de diferentes países e culturas tentando colocar ordem na sua casa, de um jeito que você nunca viu e não se acostumou. Minha experiência no Chile, ao contrário do que muitos pensam, não me transformou em uma dondoca mas me fez por a mão na massa, nao apenas na casa mas em tudo. Já fui a encanadora da minha casa, a eletricista, atualmente sou a minha faxineira e recentemente até ajudei a pintar a casa de uns amigos. E você deve pensar: ok, eu faço tudo isso no Brasil. Pode ser, mas você sempre terá a opção e às vezes mais de uma, de contratar alguém. Esse tipo de serviço aqui, é praticamente um achado. E se pedreiro, porteiro, pintor e etc; sempre tiveram o seu próprio idioma, imagine em um país onde o seu conhecimento da língua nunca chegará a ser tão técnico a esse ponto?!
5. Você pode não ter medo da violência, mas você adquire outros
Desembarcar em outro país pode ser uma aventura desafiadora e até poética, mas nunca é sem medo. É o medo de nunca dominar o idioma, é o medo de não ser aceito, de não conseguir uma estabilidade financeira, de não se adaptar, de não ser entendido, de viver na solidão (e essa te acompanha por um bom tempo até que você consiga construir uma frase naquele idioma que te permita se apresentar a uma pessoa, mas sempre sem a garantia de que ela se tornará mesmo sua amiga), de se sentir um eterno viajante que não fincou raízes nem no país natal e nem no atual e por aí vai.
6. Você nunca conseguirá provar que não é tão rico como as pessoas acham que você é
Mesmo depois do acesso facilitado a qualquer brasileiro de conhecer e morar em outro país (porque isso se tornou bem mais fácil na última década do que era há anos atrás), ainda assim, uma coisa não mudou: as pessoas no Brasil (a maioria) acha mesmo que você enriqueceu, que virou um herdeiro do Steve Jobs da noite para o dia; quando mudou de país. E na verdade, a pessoa que fez essa decisão, pode mesmo chegar a ter uma estabilidade financeira bem melhor do que tinha no seu país natal, mas nunca na velocidade da luz como as pessoas pensam. É preciso lembrar que ela vai recomeçar do zero e às vezes, com mais dificuldades do que tinha no seu país. E outra coisa, que a meu ver, não mudou também: mesmo que muitos empresários neguem, ainda é muito bem visto e se destaca entre os demais aquele que teve uma experiência internacional. Possa ser que alguém tenha uma visão diferente da minha, mas estou relatando o que a minha experiência me mostrou.
7. Não é todo mundo que gosta de morar fora
Nestes meus 3 anos aqui, já vi muitos estrangeiros amando a experiência e sem querer voltar para o seu país (meu caso) mas também já vi muita gente que se arrependeu de ter tomado essa decisão e ao menos à minha volta, os que decidiram ir embora sempre estiveram movidos ou pela saudade ou por não ter se adaptado. E repito: não é um mar de rosas mesmo. Não é todo mundo que consegue ficar e isso jamais deve ser encarado como um fracasso.
8. Sua vida será uma eterna despedida
No começo, você acha que estará sempre se despedindo só dos que deixou no seu país e não demora muito a descobrir que os amigos que fez nesse novo lugar, logo irão embora e aí você terá que buscar novas amizades outra vez. Aliás, morar fora é um ótimo exercício para lidar com perdas. E é quase que diário.
9. Você pode se surpreender
Morar fora te dá uma capacidade imensa de autoconhecimento. Você descobre habilidades e fraquezas que jamais tinha pensado que tinha. E de certa forma, se torna mais tolerante com você mesmo e com o outro. Mas como em tudo na vida, não é uma regra.
10. O seu mundo é o lugar em que você está
Não adianta estar em Miami desejando estar no Brasil. Ou estar na Nova Zelândia com o coração na Inglaterra. Para morar em outro país, você precisa encarar esse novo lugar como a sua casa e mudar toda a sua rotina fazendo aquele esforço de ser como um cidadão local, com pensamentos, atitudes e rotinas locais. É claro que eu nunca deixarei de ser brasileira e por mais que a burocracia me torne chilena, eu jamais serei uma em sua essência mas eu serei muito mais feliz se for uma chilena enquanto estiver no Chile. O que eu quero dizer com isso é que uma vez decidido que vou morar no exterior, devo assumir emocionalmente essa responsabilidade com todos os desafios que ela traz ou correrei o risco de nem ser desse novo país e nem do meu.
[disclaim]Desculpe mas não tenho condições de dar dicas específicas para cada um que deseja morar ou trabalhar aqui em diferentes áreas. Recomendo que procurem um profissional especializado em assessoria para estrangeiros. Perguntas sobre áreas específicas de trabalho e moradia, ou que vão além do objetivo do blog que é informar e não assessorar, não serão aprovadas. Obrigada pela compreensão! [/disclaim]
.. interessante… me identifiquei com vários pontos. Mas vejo que depois de 12 anos fora, começo a não sentir tanto assim saudades da minha "casa" na Suiça, e sinto mais saudades de casa mesmo… tem hora pra tudo! pra mim, sinto que esta na hora de voltar pra perto dos meus pais, que estao envelhecendo, e dos quais estou tao longe… Mas cresci muito com esse tempo aqui, e ainda conheci o amor da minha vida! Então valeu a pena! ;)
Ah sim, sinto o mesmo com relaçao aos meus pais mas ainda que eu volte um dia para o Brasil e seja feliz por lá, sinto que isso nao me isentará de sentir falta do Chile. O problema é de morar fora é esse: você nunca mais vai se ver livre totalmente de um lugar ou do outro.
Tenho planos de trabalhar como enfermeiro, gostaria de saber como é visto essa profissão, se há facilidade de se trabalhar nessa profissão. E sou ciente das questões burocráticas. E parabéns pelo blog.
Recomendo o post sobre o mercado de trabalho no Chile. Obrigada!