Talvez você seja diferente de mim mas até 2010, quando ainda morava no Brasil, eu achava que tinha contato com a América Latina, afinal, o Brasil faz parte dela. Aí eu fui morar no Chile em 2011 e conheci não apenas os chilenos e sua cultura, mas também os argentinos, peruanos, venezuelanos, colombianos, bolivianos e equatorianos, com quem tive o prazer de trabalhar, ser amiga e conhecer de perto a riqueza cultural dos seus países. Nesse momento ficou mais forte a sensação de que cresci em uma ilha.
Sabe quando você conhece um grupo de amigos e eles começam a conversar sobre coisas que não necessariamente viveram juntos mas que se sentem identificados, e então começam a rir, o outro diz que era assim mesmo e todos os outros concordam mas você não tem o que dizer porque não viveu nada daquilo? Foi assim que me senti quando saí do Brasil e passei a ter contato com os países vizinhos. Cada um deles tem a sua própria cultura mas todos possuem denominadores em comum: o idioma, influências musicais, sabores, literatura, programas infantis, novelas, cinema e etc. É fácil para os nossos vizinhos ir morar em outro país da América Latina e não sentir um choque cultural tão forte mas um brasileiro não pode dizer o mesmo e nem o nosso vizinho que vai morar no Brasil.
Isso ficou ainda mais claro para mim depois da série La Mirada Chilena não só pelos depoimentos dos participantes mas com todos os comentários e emails que passei a receber dos nossos hermanos. Em geral, amam o Brasil mas possuem a mesma sensação de distância que eu tenho. Essa semana recebi um email de um grupo de amigos que viajou para o Brasil há 1 mês. Eles foram comemorar 10 anos de amizade e escolheram o Brasil como destino. Amaram tudo, o email era cheio de carinho mas tinha uma parte dele que merecia virar um post no blog e por isso pedi a eles permissão de publicar aqui. Reflitam!
“Oi, Fê! Tudo bem? Amamos o seu blog e foi pela paixão e respeito que você demonstra pelas diferenças culturais que escolhemos o Brasil para viajar em grupo para comemorar nossos 10 anos de amizade. Nosso grupo é bem latino. Somos 10 pessoas, sendo 2 chilenos, 1 peruano, 3 colombianos, 1 argentino, 1 equatoriano e 2 venezuelanos. Sempre nos divertimos e aprendemos com as nossas diferenças mas nos unimos ainda mais com tudo o que temos em comum.
Ir ao Brasil era um sonho dos 10. País de gente linda, de lugares fantásticos, de uma comida variada, de muita riqueza. Ficamos encantados com tudo e concordamos com todas as impressões boas que os estrangeiros levam dele. Mas uma coisa nos deixou tristes: ver que o Brasil é um continente e não um país latino.
Cada um de nós (do grupo de amigos) já visitou o país do outro e por mais novidades que ele tivesse, sempre nos deparávamos com algo que era comum a todos, que nos dava a sensação de estar entre irmãos que um dia viveram na mesma casa, se distanciaram mas que quando voltam a se reunir se sentem identificados. Isso não aconteceu no Brasil.
Sabe aquela coisa de sentar num restaurante ou entrar numa balada e de repente ouvir uma salsa, um merengue, uma cumbia ou qualquer outro ritmo que os 10 se olhassem e dessem aquele grito de ‘uau, vamos dançar muito porque essa é das nossas?´ Então, não teve.
Sabe aquele momento em que você tenta uma conversação com outros brasileiros e aí começamos a falar de coisas da infância, de programas de tv, de bandas para adolescentes que marcaram a geração latina? Pois é, nos demos conta de que nós, os 10 amigos, vínhamos de países distintos mas tínhamos total conexão e voltamos com a impressão de que os brasileiros só se conectam com eles mesmos.
Tem também a questão do idioma, vocês não falam espanhol e talvez isso explique o distanciamento com o resto do continente, o que acreditamos não ser a resposta ideal porque apesar do resto do continente não ter contato com o português, nossas livrarias recebem Paulo Coelho, Jorge Amado, Carlos Drummond, João Guimarães Rosa e vários outros. Nossas playlists conhecem Rita Lee, Caetano Veloso, Ivete Sangalo, Gonzaguinha, Legião Urbana, Cazuza e muita gente talentosa. Apesar da maioria resumir o Brasil ao Rio de Janeiro, todos sabem que cada parte do país tem paraísos maravilhosos. Em compensação, sentimos que os brasileiros em geral não sabiam ou não tinham contato com nada que não fosse de fabricação nacional e quantdo tentavam não parecer distantes a tudo, falavam sobre o Chaves, a Shakira e a Usurpadora. Era o máximo que conheciam porque até achavam que nós 10 éramos todos iguais e nossos países também e bem, você sabe, não somos.
Quando era para se comunicar faziam um grande esforço – admirável até – para nos entender; mas sempre davam preferência para conversar em inglês. Sabemos que é o idioma mundial, que tudo se resolve com ele mas os países europeus, por exemplo, possuem diversos idiomas e usam o inglês somente para se comunicar com quem não sabe o idioma local. Não seria o caso do Brasil pensar na possibilidade de ter o español como segundo idioma, sendo ele parte de um continente que em sua maioria o usa no dia a dia?
Amamos o Brasil e vamos voltar. Está entre os lugares que mais vale a pena visitar. No entanto, será melhor para um latino se ele encarar o Brasil como outro continente, um Brazil com Z.”
Não sei o que você pensa a respeito, gostaria de ler o seu comentário, mas com certeza quem saiu do Brasil para viver nos países vizinhos, vai entender melhor o que este email quis dizer.
Es todo bien verdad. Residí 8 años en Brasil 1979 – 1987), y cuando volví no sabía nada de la música hispanoamericana, ni siquiera de Silvio Rodríguez, tan archi conocido. Ni tampoco de la música estadounidense o europea.Parecía que volvía del espacio extraterrestre….sólo sabía de música brasileña…con decir que pude observar que si un cantante latino tenía éxito, allá lo emulaban con no brasileño cantando en portugués…así pasó con Sandro el Gitano, que cuando me fui a Brasil ya era muy conocido a nivel hispanoamericano…pues bien, allá sacaron a no me acuerdo quién “O Zigano” (el gitano en portugués) que era una fiel copia de Sandro pero cantando en portugués…
Oi Fernanda, aceitei sua sugestao e decidi refletir sobre o tema. Realmente, os brasileiros sabem pouco da America Latina em geral, porém todos tem uma visao muito boa do Chile. Sabem que os índices de educacao e qualidade de vida sao altissimos. A maioria se pudesse moraria no Chile. Geralmente ficam encantados com tudo quando tem a possibilidade de visitar o país. Quando me mudei pra cá uma pessoa que trabalhava comigo me perguntou o que eu havia aprendido na escola sobre o Chile. Respondi: NADA! Me senti na liberdade de pergunta-la o que ela tinha aprendido na escola sobre o Brasil. Ela me respondeu: NADA! Logo vi que somos povos muito parecidos. Inclusive na nossa sindrome de vira-lata tao bem descrita por Nelson Rodrigues. Foi um choque pra mim ao chegar aqui e ver que a Gisele Bundchen que nao é um ícone de representacao da beleza Latino Americana era a garota propaganda da Falabella. Assim como a Sarah Jessica Parker é da Ripley. Pensei que aqui valorizavam mais a própria cultura, me enganei. Mas, o mundo é globalizado e temos a chance de conhecer outras formas de viver, se relacionar e de riquezas em geral. Acho que buscamos o mais nos identifica independente da nacionalidade. Gosto muito dos filmes “Neruda” e “O Clube” cujo diretor é Chileno. Estou a espera de Jackie. Também gosto muito de todos os filmes do Ricardo Darín que é Argentino. Já dos filmes norte americanos nao gosto muito. Mas, adoro a Disney! Entao é isso… é só respeitar as diferencas e ficar com aquilo que te serve… cada um pega o que for melhor pra si.
Concordo, sem erro algum no que disse, mas uma coisa é fato: O Brasil é bem menos latino se comparado com os outros países do continente. Este é o ponto alto do texto. Óbvio que os outros países também se identificam com coisas de fora e como nós, não são obrigados a saber ou conviver com coisas do Brasil mas é noo mínimo estranho não termos quase nada de contato com coisas que nos evidenciam como latinos. Obrigada por comentar!
Concordo com eles demais. Somos isolados sim, porque a todo custo estamos tentando engolir a cultura norte americana e deixando a nossa latina e sulamericana em segundo plano.
Olá Fernanda,
Eu sempre me interessei muito pela música produzida pelos nossos vizinhos latinos (sou apaixonada pelo rock argentino, chileno e uruguaio). Estou “contaminando” aos pouquinhos as pessoas próximas a mim, ao menos uma banda de cada país eles sabem hahah
Agora, precisamos conversar sobre esse final! “Brasil com z”. Me deu até um aperto no coração.
Que legal que você esteja “contaminando” os que estão ao seu redor. Sobre o Brazil com Z você entendeu o motivo, né?
Entendi o motivo, sim. O aperto no coração vem por causa do impacto desse final. Ótimo texto, inclusive!
amei o blog
Nossa muito bom em gostei mesmo parabéns
Oi, Fê. Concordo com sua opinião e de seus amigos, parando pra refletir sobre o tema ainda acrescentaria uma coisa. Sou do Nordeste e sempre morei aqui, viajando pelo próprio país conheci pessoas (MUITAS) que se quer sabiam da existência de Aracaju (capital de SE e cidade onde eu moro). Infelizmente, muitos brasileiros que já me deparei na vida, principalmente do Sul e Sudeste, ainda dividem o próprio país. Já conheci cariocas que tratam o Nordeste e o Norte como o primo pobre, e todos que moram aqui como pessoas intelectualmente inferiores. Espero chegar um dia em que as pessoas vão se interessar mais sobre aqueles que estão mais próximos do que sobre a Europa e os EUA.
Uau, é incrível como esse tipo de coisa sequer passa pela cabeça de nós, brasileiros. Talvez porque o Brasil sempre tentou se projetar para fora da América Latina, conquistar seu espaço de gigante,recebendo influências de terras bem mais distantes do que as de nossos vizinhos, sejamos assim tão diferentes. Agora sinto uma culpa inexplicável pelo nosso distanciamento, o Brasil precisa dialogar mais com os seus vizinhos e ter interesse mesmo em conhecer. Realmente, chega a ser vergonhoso falar em inglês com alguém que fala espanhol. De qualquer forma, acho que esse é o tipo de texto que temos que ler como primeiro passo para nos integramos mais culturalmente.
beijos!
Muito obrigada, Laís! Fico feliz em de alguma forma despertar essa conscientização. Bjs