Recentemente fui ao Brasil e cada vez que vou eu volto renovada e ao mesmo tempo naquele estado de reflexão que muitos chamam de “pensar na vida”.
Não sei se é o fato de morar fora ou de já estar há um tempo na década dos 30, ou ainda o fato de ser casada e pensar diariamente no bem estar da família que formei e na que me formou – ou talvez tudo isso junto – mas cada vez mais eu valorizo o que meus pais fizeram por mim.
Primeiro porque nem é preciso ser pai e mãe pra saber que não é uma missão simples mas principalmente porque na época deles era ainda mais difícil. Entre tantas coisas, não havia acesso a tanta troca de experiências como a internet faz hoje em dia. Tem mãe de primeira viagem aqui recebendo ajuda virtual de alguém que faz vídeo do outro lado do planeta, por exemplo.
No entanto, meus pais me deram coisas que talvez a geração de hoje ou até mesmo a que se forme através de mim, dificilmente terá, seja pelo benefício das facilidades dos novos tempos ou pela inversão de valores; e até por coisas que nem sei classificar.
Hoje, olhando pra trás, vejo que tudo aquilo que meus pais classificavam como “eu queria poder te dar algo melhor”, foi realmente o que me fez ser melhor e vou te dizer como.
Meus pais me ensinaram que as coisas pesam e que ninguém pode levar o que só cabe a você, pode no máximo aliviar a sua carga. Foi com o ato de colocar minha mochila nas costas, de fazer eu carregar pelo caminho o brinquedo que eles me aconselharam a não levar e eu teimei, ou a blusa que eu ía usar (mesmo que amarrada na cintura) que eles me ensinaram a ser forte, a levar o peso que só cabe a mim.
Meus pais me ensinaram pontualidade e que acordar cedo faz o dia render. Que assumir responsabilidades tem que ser algo precoce mesmo e o simples fato de acordar quando o despertador toca pra ir pra escola; já cumpre esse papel.
Me ensinaram a correr para estar na hora certa no ponto de ônibus, sempre sonhando que no futuro eu não precisasse de transporte público mas porque não me privaram dele eu pude ficar mais esperta, observadora, atenta aos malandros, bandidos e assim ficar fora da bolha.
Meus pais foram os precursores da “geração touch”. Eu que não “toucheasse” as frutas pra lavar, descascar e comer pra ver se aparecia algo prontinho, como num click. Ai, ai… Mas com isso ninguém se sentia escravo de ninguém e sim parceiro. Era pra todo mundo a função de lavar a louça, guardar as coisas, organizar a casa, aprender a fazer uma comida básica, essas coisas que a gente reclama mas que lá na frente são responsáveis pela nossa criatividade, por aquela solução para o problema que dá trabalho de encontrar mas que a gente não desiste.
Eles me ensinaram que tudo tem um custo e também a compartilhar pois nada é descartável. Foi usando roupa G quando eu ainda era P só porque ía durar mais, que eu entendi o quanto aquilo custava pra eles e foi apagando livros da escola que alguém usou antes de mim que aprendi que o que não gosto mais pode ser de extrema necessidade pra outra pessoa.
Meus pais me ensinaram a ter contato com o natural e a ter respeito pelo que a natureza entrega porque leite não vem da caixa, suco não nasce no liquidificador, a alface não brota na prateleira do supermercado.
Me ensinaram a me impor sem faltar o respeito com ninguém e me ensinaram igualdade sem desmerecer a hierarquia porque lá em casa, até hoje, meus pais continuam sendo os donos, as autoridades, os cabeças sem que isso seja um problema. Na verdade evitaram que eu me transformasse num adulto que olha para os idosos como se fossem nada ou que fala aos gritos porque não sabe ser ouvido de outra forma.
Meus pais me ensinaram a ter fé. Fé em Deus, na vida e em mim. Muita fé em mim. Porque autoestima se ensina, se cultiva e se colhe quando crescemos. É na infância que a gente grava na cabeça pra sempre o que vamos pensar de nós mesmos.
Meus pais me ensinaram que não é não e que bom que não cederam às minhas birras porque seria bem mais difícil lidar com os problemas da vida, a pressão do trabalho e a sociedade se eu nunca tivesse ouvido um não bem forte.
Meus pais não acertaram o tempo todo mas o tempo todo acertaram quando independente de condição social, crenças e tendências da época decidiram me criar para enfrentar a vida como ela é, pra ter como me refazer, sobreviver e essa forma de se ajeitar no ritmo da vida não é possível quando tudo chega sem esforço e isso é algo que nascendo na época do cassete ou do iPhone, na periferia ou na mansão, nos anos 50 ou 2000; nunca vai mudar.
Texto Maravilhoso!
Parabéns!
Linda mensagem! Me identifiquei com cada frase e cada fase descrita.
Abraços.