14 mar 2016

Existe vida (pra quem fica) após a morte?

LIFESTYLE > Resignifica

6 de março de 2016, 19h30. Narciso e eu havíamos acabado de chegar do supermercado. Era um domingo comum, desses em que ele joga futebol de manhã enquanto eu vou para academia ou gravo um vídeo, depois almoçamos e rimos juntos e no final do dia decidimos se fazemos algo para a casa ou saímos com os amigos. O convite para jantar com os amigos veio mas por algum motivo decidimos ficar em casa. Eu estava na cozinha preparando algo para comer e o Narciso estava na sala estudando para uma certificação do trabalho, quando o telefone tocou. Era uma ligação do Brasil.

Não sei quantos de vocês moram fora mas é bem comum se comunicar com a família apenas pelo Skype, portanto receber uma ligação por meios tradicionais é algo que deixa qualquer pessoa morando no exterior um tanto preocupada, ainda mais quando do outro lado do telefone a pessoa insiste em saber se você está bem, se está dirigindo e se está acompanhado. São perguntas que geralmente antecedem uma notícia ruim e infelizmente era uma notícia muito ruim. O pai do Narciso havia falecido, vítima de um infarto fulminante.

vida após a morte

Jamais seria capaz de descrever o choque dessa notícia, especialmente para o meu marido. Em segundos choramos, gritamos, nos revoltamos, nos despedaçamos, relembramos momentos, compramos uma passagem para o Brasil, avisamos os amigos, comunicamos a ausência no trabalho, arrumamos as malas e nos esvaziamos. A morte causa um vazio indescritível.

Pior do que perder alguém para a morte é estar longe dos que podem receber o seu apoio e te apoiar, é ter que esperar um voo disponível que só sai no dia seguinte, é ter que contar com a sorte para não ter atraso no embarque, é ter que esperar algumas horas para uma viagem que você nunca desejou fazer. Nós, que amamos viajar e que contamos os dias para rever os queridos no Brasil, fizemos a nossa pior viagem no dia 7 de março de 2016, a viagem para se despedir pra sempre de uma pessoa muito amada.

A tristeza era tão grande que a dor passeava entre a alma e o físico e cada vez mais deixava um vazio na alma e uma dor latente no peito. Dor mesmo, dessas que só passam com relaxante muscular, respiração profunda e calmante. Muito calmante.

O que veio em seguida foi uma sequência de coisas tristes: já não era meu sogro que nos buscaria no aeroporto e já não era o seu sorriso que estaria lá nesse dia, embora ele tenha se despedido da vida com uma expressão feliz, porque era assim que ele era. Foi uma noite muito triste para mim mas foi uma noite inconsolável para o meu marido e sua família e ver sofrer quem a gente ama sem poder fazer nada, é horrível.

Talvez este post esteja muito confuso pra você porque primeiro, ele é bem pessoal e porque as emoções ainda estão muito confusas dentro de mim. Literalmente faltam palavras. Mas mais do que fazer você entender o que aconteceu, o post é ainda mais difícil porque ele tem a intenção de nos fazer – a mim, ao Narciso e a sua família –  entender o que ainda não aconteceu.

É tudo bem recente e já ouvimos de muitos que vai passar, que com o tempo as coisas encontram o seu lugar e acreditamos nisso mas é estranho pensar que a vida era uma há uma semana atrás e agora é completamente diferente. É estranho só ter lembranças até às 19:30 daquele domingo porque depois disso parece que o tempo mudou, parece que as horas não passam e tudo ficou uma bagunça dentro da gente. Tem sido difícil mas levantar e enfrentar a vida é a decisão mais inteligente nesse momento.

Enfrentar a vida… Nunca mais vou dizer que isso é um problema porque enfrentar a morte é muito pior. Eu quero viver, eu quero sentir raiva dos problemas que vou ter, eu quero quebrar a cabeça encontrando soluções, eu quero ter muitas coisas mas eu já não quero ter nada que eu realmente não precise. Eu prefiro mil vezes essa loucura da vida do que o ponto final da morte, porque independente da crença de cada um – e todas são válidas porque ajudam a superar a dor – o fato é que houve um fim irremediável. Viver, com tudo o que isso implica, nunca mais será visto como um problema, ao menos por mim.

Eu sei que em algum momento a ferida vai deixar de sangrar, vai parar de doer a ponto de não precisar do alívio que só vem com remédios, que vai cicatrizar e que vai ser possível conviver com essa marca, eu sei disso. Só que até lá a única forma de sobreviver a isso tudo é não deixar a dor nos dominar porque é muito fácil se entregar, é muito fácil não ter motivação, é muito fácil deixar de fazer planos, é muito fácil parar de sorrir, é muito fácil se jogar no sofá e não achar nem legal e nem triste sair de lá porque na verdade deixamos até de achar alguma coisa. Não acontece nada. Nada. Só que esse nada ocupa espaço demais.

Não estou em condições de dar conselhos mas uma coisa eu já tenho experimentado e posso afirmar que viver o luto é preciso, chorar cada uma das dores é preciso porque não somos insensíveis, não somos fortes o tempo todo e há coisas que são muito difíceis de suportar, mas não se permita chorar tempo demais porque viver é algo raro. Junte tudo o que sobrou de você, empilhe tudo com o mais sacrificado esforço e tente se levantar. E quando estiver em pé, tente dar um passo. E quando der um passo, tente caminhar um pouco. E depois de caminhar, tente correr. E depois tente sorrir e comemore quando isso acontecer.

Só não deixe as pessoas ditarem como você deve atravessar o seu luto e quanto tempo você precisa permanecer nele para não ser visto como um insensível. Muita gente diz que você precisa parar de chorar mas quando você tenta sorrir elas te condenam por isso. A morte já é uma condenação forte demais. Não deixe que ninguém dite como você deve viver depois de se despedir eternamente de alguém. Mas por favor, queira viver. Faças as pazes com a vida e entre num relacionamento sério com ela. A vida é realmente curta mas não precisa ser pequena.

Fê La Salye
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Comentários

10 comentários em "Existe vida (pra quem fica) após a morte?"
  1. Thamires Barros   15/03/16 • 10h37

    Puxa, te conheci na net por conta das dicas do chile, mas me apaixonei pelo cantinho e resolvi ficar. E quando a gente fica, a gente vai se tornando intima da pessoa, vai vendo as lutas diárias (que você posta aqui) e passa a sentir a dor da pessoa quando algo nela esta doendo.
    Ler isso me fez chorar, e mais ainda, me fez ver como a vida é curta, imprevisível, porém maravilhosa.
    Desejo muitas felicidades a vocês (sim, porque “desejar” condolências é esquecer que a vida continua, e eu quero ver vocês felizes) e fico muito feliz de saber que mesmo em meio a dor, você enxergou que a a vida é só uma passagem, e que para quem fica ela tem que continuar, porque a dor passa sim, anestesia depois de um tempo, e vira recordação. O jeito é conviver com a saudade, lembrar as coisas boas e principalmente o legado que a pessoa deixou pra gente. Imagino o como dói, já perdi pessoas queridas também, mas hoje vejo com outros olhos. Prefiro lembrar do quão maravilhoso foi o tempo de passagem dessas pessoas por aqui, e comigo. Como fui abençoada em tê-las. Que Deus console seu coração, do seu marido e toda a família. E assim como fala em um filme “A dor precisa ser sentida” , mas creia, ela passa.

    • Fê La Salye   15/03/16 • 15h51

      Thamires, só posso agradecer pelas palavras lindas e por tanto carinho. Desculpe a falta de texto na minha resposta, é que ainda é difícil mas acredite, seu comentário fez muita diferença. Obrigada!

  2. Maria Madalena oliveira   15/03/16 • 16h14

    Perder alguém que amamos é a pior dor que existe neste mundo.Mas a vida precisa continuar.Palavras sábias

  3. Nai   16/03/16 • 23h50

    Acompanho seu blog a alguns meses mas estou comentando pela primeira vez também… Só pra dizer cheguei até aqui após uma procura por diy de casamento, vim, vi, revirei váááários arquivos e virei uma leitora assídua. Por sinal seus posts do Chile vão me fazer passar a lua de mel aí… :-)
    Só queria deixar registrado o quanto esse post foi esplendoroso, sinto muito pelo que ocorreu, eu também penso que só o tempo cura certas coisas mas temos que deixá-lo fazer isso por nós. Me emocionou mesmo.
    Força a vocês nessa hora e obrigada pelo trabalho/diversão que você faz aqui, com certeza ajuda muitas pessoas em vários sentidos!

    • Fê La Salye   18/03/16 • 09h49

      Nai, muito obrigada pelo carinho. Pode ter certeza que seu comentário fez diferença para nós. Beijos!

  4. Carolina Costa   19/03/16 • 07h25

    A pessoa mais próxima q já perdi foi minha vó, e eu já morava fora. Eu tava indo de férias pra PE, meu vôo saiu pontualmente às 15:30, (o fuso do AM é uma hora a menos que PE) e 16:30 foi o horário declarado do óbito dela. Acho que a velhinha tava querendo ter certeza deu embarcar pra ela poder partir. Meu pai foi me buscar no aeroporto aos prantos, e tipo milhares de porquês vem a cabeça, aceitar ao fato q nunca mais ia poder abraça-la doeu muito. E o luto realmente é preociso fê, e não tem tempo determinado de acabar, é preciso vive-lo bem pra assim acabar toda a tristeza é ficar só a saudade. Que a Sagrada Família conforte o coração de sua família e que você é Narciso consigam correr e sorrir em breve.

    • Fê La Salye   03/04/16 • 22h17

      Carol, desculpe a demora. Foram dias complexos. Incrível a sua experiência. Realmente, é preciso viver cada fase. Muito obrigada pelo carinho! Bjs

  5. Luanna   23/04/16 • 20h37

    Me emocionei, sei que não existem palavras que demonstrem um conforto, mas lhe mando boas energias, luz, e a fé na vida eterna! Beijos Fe!

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